Sunday, December 23, 2012

Dolores Duran fala aos Comunistas - 1955



Eu sou do samba-canção’ 

Entrevista com Dolores Duran publicada no periódico Imprensa Popular, jornal do Partido Comunista Brasileiro de 1955, pós-colapso cadíacao.

Os interpretes brasileiros são preteridos pelos estrangeiros

A símpática ‘estrêla’ fala sôbre os problemas dos radialistas [Texto na 2ª página]



DOLORES DURAN, REVOLTADA:  

‘Os músicos nacionais são preteridos pelos estrangeiros’

O caso do conjunto ‘Os Copacabana’ – o artista de radio ainda precisa de muita coisa – Influência estrangeira e orquestração moderna – ‘Precisamos de paz para desenvolver nossas atividades artísticas’, afirma a jovem canotra – Reportagem de Radio-Escuta.

‘Pode entrar. Eu estou vivinha. Ainda não foi dessa vez, disse-nos sorridente Adiléia Silva da Rocha. Quem é Adiléia Silva da Rocha? – estará perguntando o leitor. E nós responderemos que se trata de Dolores Duran, cantora que recentemente teve um enfarte do miocárdio, preocupando os seus fãs, colegas e amigos.
Mas a moça agora já está recuperada. Ela mesmo nos diz:

- Quase que eu fui para o outro mundo, se é que existe isso. O médico me desenganou. Diziam que eu não escapava. Morreria na certa. Mas escapei. Aqui estou, pronta a voltar às minhas atividades.
E assim fomos ‘batendo um bom papo’ com Dolores Duran. Assuntos vários foram focalizados.

- Tenho 12 anos de rádio, - contou-nos – Comecei a cantar bem garota. Andei de Sêca a Meca. Veja: Tupi, em 1942; teatro infantil com Olavo de Barros; depois Rádio Clube Fluminense; a seguir Rádio Cruzeiro do Sul e Rádio Clube do Brasil. Finalmente, Rádio Nacional. Estou na Nacional há cinco anos e nesse período, licenciada, atuei na Mayrink, na Nacional paulista, na Jornal do Comércio, do Recife e na Rádio Carve, de Montevideo.

- Tudo isso?

- Por enquanto.

Apoio aos órgãos de classe


A uma nova pergunta, Dolores afirma:

- Eu gosto da vida. Gosto de viver, gosto de cantar, de ter amigos sinceros.

- Não. Já trabalhei num escritório. E certa feita fui obrigada a deixar o microfone, desgostosa com um caso de que fui vítima. Política de corredores, que me aborreceu.

- O artista de rádio está bem amparado?

- Não. Para o artista de rádio falta muita coisa. Nossas entidades profissionais precisam de assistência mais efetiva, de um apoio mais constante, para evitar que alguns colegas fiquem desempregados, sem ter onde trabalhar.

O telefone toca. Dolores atende. Promete comparecer a uma festa íntima.

- Eu sou sócia do Sindicato dos Músicos. – diz-nos – E sei que falta apoio a êste orgão. Qualquer músico estrangeiro vem ao Brasil e faz o que bem entende. Tudo em detrimento do músico nacional, que fica em situação de desigualdade. Quer um exemplo? Uma vez, numa ‘boite’, tôda uma orquestra nacional, ‘Os Copacabanas’, foi demitida para dar lugar a uma orquestra estrangeira.

Os ‘bambas’ da música popular


Fazemos uma referência à música popular brasileira. Dolores Duran entusiasma-se: - A música popular brasileira é uma coisa séria. Quanto a mim, gosto do samba-canção, embora aprecie também os outros gêneros.

- Tem particular preferência por algum compositor?

- Sim, mas por vários: Dorival Caymmi, Antônio Maria, Ismael Neto, Ary Barroso, Mario Lago, entre outros.

- Quais os nossos bons cantores?

- Lúcio Alves, porque sabe cantar e tem gôsto para escolher suas músicas. Ivon Curi, porque canta tudo bem. Sylvio Caldas, que não se precisa dizer por que.

- E as cantoras?

- Elizeth Cardoso, Doris Monteiro, Dircinha Baptista, Neusa Maria e Heleninha Costa.

Fã de Jorge Amado e Ehrenburg


Dolores Duran não despreza uma boa leitura. Asservera: Quando não trabalho à noite, fico lendo até tarde. Jorge Amado é o meu escritor preferido. Possuo todos os seus livros. Fiquei empolgada com ‘Os Subterrâneos da Liberdade’. Outros escritores de minha predileção, cada um em seu gênero: EhrenburgAlvaro MoreyraSomerset Maugham entre outros.

- Você gosta da música clássica?

- Gosto de qualquer música clássica ou popular. Admiro tanto Bach como o nosso Monsueto Menezes, guardadas as distâncias, é claro.

Intercâmbio com outros povos


- Que diz da influência norte-americana em nossos rítmos?

- Sou contra esta influência, notadamente em gêneros como a música folclórica, o samba corrido, o baião, o xaxado etc. Algumas músicas nossas estão ‘aboleradas’. Há gente, porém, que confunde isso com orquestração moderna. Eu sou contra a influência estrangeira na nossa música popular, porém sou a favor de orquestrações modernas sem desprezar, por exemplo, para um chorinho, a flauta, o cavaquinho e o violão.

- As nossas emissoras oferecem segurança aos seus artistas?

- Só algumas estações, que estão mais ou menos estáveis econômicamente. A maioria, porém, não oferece segurança alguma.

- Acha que devemos ampliar nossos contatos com os artistas e a cultura de outros povos?

- Sim, mas num plano de igualdade. O intercâmbio que existe atualmente, é favorável a um lado sòmente. Os artistas, que vêm de fora, têm tudo. Os nossos, que vão ao exterior, não tem nada.

- Quantos discos já gravou?

- Cinco, entre os quais estão as músicas ‘Canção da volta’, ‘Outono’, e ‘Praça Mauá’.

- Que pensa dos planos de preparação de uma nova guerra?

- Condeno intransigentemente. Precisamos de Paz, de tranquilidade para desenvolver nossas atividades artísticas.


Há uma foto de Dolores Duran segurando um disco, em frente a uma vitrola, com o texto: ‘Praça Mauá’, recente gravação da jovem cantora, está fazendo sucesso. E vendendo bem, segundo nos disse Dolores.


Dolores Duran 

Lendo nas entre-linhas o artigo sobre Dolores Duran publicado na ‘Imprensa Popular’, jornal do Partido Comunista Brasileiro, do Distrito Federal.

1. A ‘linha’ do PCB era nacionalista, portanto nada mais natural que o título da matéria fosse ‘Eu sou do samba-canção’.

2. Nota-se a preocupação em ‘denunciar’ a influência estrangeira na MPB, notadamente a norte-americana, que era vista como o ‘bicho-papão’ pelos teóricos do Partido.

3. Sendo um jornal comunista, não se poderia deixar de falar nos ‘artistas’ [leia-se: cantores e músicos] como uma ‘classe’, e a sua relação com os ‘patrões’ [as Emissoras]. Dolores coloca-se como membro do Sindicato dos Músicos e contra o tratamento dado aos músicos locais [Os Copacabanas] preteridos descaradamente em pról dos estrangeiros.



4. Dentro da literatura, nota-se a exaltação a Jorge Amado, conhecido membro do PCB. Inclusive, ‘Subterrêneos da Liberdade’, livro citado por Dolores, é a história romantizada do próprio Partido Comunista escrita pelo escritor bahiano. Entre os compositores aparece Mario Lago notório membro do PCB. Ehrenburg, poeta e romancista soviético é citado pela cantora, além de Alvaro Moreyra.

Ehrenburg, revolucionário de primeira hora na Russia, foi preso pelo regime reacionário czarista e exilado em Paris. Em Paris ele deixa um pouco a causa comunista de lado e vive a vida bohemia de Montparnasse, tornando-se amigo de Picasso, Diego Rivera, Modigliani. Acho que o elo com Dolores está justamente aí... Dolores era uma entusiasta de Paris... você nota isso em várias de suas entrevistas. Nos anos 20 Ehrenburg escreve romances modernistas que se tornam muito populares... e seu tema é justamente a Paris bohemia... Acho que é porisso que Dolores o incluiu entre seus favoritos.

Alvaro Moreyra, poeta e cronista gaúcho nascido em 1988. Viveu 2 anos em Paris [1913 e 1914]. A partir de 1942, teve destacada atuação no rádio brasileiro, onde além de escrever crônicas, também as interpretava. Participou do programa "Conversa em Família" e apresentava uma crônica diária de cinco minutos no programa "Bom-dia Amigos". Em 1958, recebeu o prêmio do melhor disco de poesia com os Pregões do Rio de Janeiro. Era casado com Eugênia Álvaro Moreyra, sua companheira de teatro e jornalismo, uma líder feminista, e sua residência em Copacabana era ponto de encontro de escritores e intelectuais.

5. Em 1955 vivia-se o auge da Guerra Fria, com os EEUU e URSS às turras, temendo-se até o início de uma III Guerra Mundial. Mistér se fazia a um orgão comunista, perguntar sobre essa eminência... e Dolores responde de acordo: ‘Precisamos de Paz e tranqüilidade para desenvolver nossas atividades artísticas’.

Partido Comunista Brasileiro, tinha muita influência no ‘meio artístico’. Mesmo tendo sido posto na ilegalidade em 1948, pelo governo reacionário do General Dutra, devido ao recrudecimento da Guerra Fria, uma boa parte da intelectualidade nacional era filiada ou simpatizante do PCB, fazendo que tivesse mais poder entre os intelectuais do que qualquer outro setor da sociedade brasileira.

Essa influência intelectual comunista continuaria mesmo depois do Golpe de Abril de 1964. O declínio dessa influência começa nos anos 70. Nos anos 80, com o aparecimento do Partido dos Trabalhadores [PT], o PCB vai minguando até desaparecer por completo. 



Radiolândia


Zezé Gonzaga & Dolores Duran

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